Monday, July 20, 2009

Exercício N.º 3

O Conflito

- Tenho um problema. Preciso de ti. – E desligou.
A sua voz atordoou-me. Olhei para o telefone sem fios. O insistente beep da chamada desligada era agora a minha resposta.
Tinha um problema. Que problema poderia ele ter?
Ele. Uma rocha perante um mar revolto, sem medo de ninguém. Que problema poderia ter?
Pousei o telefone no balcão de mármore escuro da cozinha. O calor da tarde que, até então não me incomodava, passou a sufocar-me.
Tenho um problema. Preciso de ti.
Deambulei até ao enorme sofá branco. Naquele momento, o meu T0 pareceu-me enorme e avassalador. Olhei para mim. As largas calças cinzentas haviam perdido a batalha com o molho de tomate do almoço. O pequeno top da mesma cor não estava em melhores condições. Suspirei e cobri os olhos com as mãos ásperas. Não estava à espera de receber alguém. Aliás, odiava que me incomodassem no meu pequeno paraíso. E ele sabia disso muito bem.
Fechei os olhos. Quase que podia adivinhar a chegada eminente de uma enorme dor de cabeça. Todos me pediam para resolver problemas. Era a minha função.
Mas ele não.
Não ele.
Não era suposto ser assim.
O acordo entre nós era simples. Não eram precisos rótulos ou outras complicações. Entendíamo-nos muito bem. Era uma amizade. Eu falava e ele ouvia.
Tinha-lhe perguntado imensas vezes porque era assim a nossa relação. Apenas respondia que não precisava de falar, ao invés de mim. Lembro-me de ter sorrido e agradecido a amizade pela milésima vez.
A campainha tocou. O barulho era tremendo. Detestava-a mas a verdade é que não conseguia desfazer-me dela.
Levantei-me e caminhei até à porta. Notei que suava. Que estranho. As mãos tremiam. O que era feito da minha coragem? Abri a porta.
E lá estava ele. Aquela sombra enorme que ocupava o pequeno corredor.
Ergui os olhos, procurava algo no seu rosto que me ajudasse a entender o que se passava.
As últimas semanas tinham sido cruéis. Já se notava. Não cortara o cabelo. Anéis negros de cabelos cobriam os seus olhos verdes.
Nunca era possível identificar uma emoção ou um sentimento no seu rosto. E continuava a não vislumbrar nada mas os seus ombros diziam-me uma história completamente diferente.
- Entra. – disse, numa voz calma.
Permiti a entrada daquela enorme sombra no meu espaço e senti a luz desaparecer.
Fechei a porta, por detrás dele.
Vi-o a caminhar para o sofá. Sentou-se.
Fiz o mesmo e esperei.
- O que é que estamos a fazer? – perguntou, por fim.
- Desculpa, mas não percebi. – respondi, num tom de voz neutro. Sabia que mentia mas não valia a pena continuar.
Riu-se. E olhou para o tecto imaculadamente branco.
- Sempre me mentiste muito mal. Existe uma tensão entre nós. Isso é claro. E tu sabes disso muito bem. Acho que não estás tão à-vontade comigo como aquilo que me fazes crer.
Levantei-me do sofá e abri uma janela. A brisa fresca do final de tarde invadiu o espaço.
- Porque razão te lembraste disso agora? – perguntei, quando finalmente tive coragem de o encarar. – Nunca fiz nada ou nunca sequer te disse nada que te fizesse acreditar que eu…
- Não. – interrompeu – isso é bem verdade. A culpa é minha. Devia ter analisado melhor a nossa relação. Mas… infelizmente tenho tido demasiado tempo para pensar, nos últimos dias.
Sim. Finalmente entendia de onde vinha esta necessidade de repensar a nossa relação. As últimas semanas tinham sido agressivas, entre constantes viagens ao hospital, desespero e angústia. A sua mãe estava a morrer e ele, por fim, tivera a oportunidade de reflectir sobre a vida.
A pergunta estava na ponta da língua. Queria tanto saber como estava a mãe dele.
Mas a sua teimosia acautelou-me.
Ansiedade estava lentamente a apoderar-se dos meus sentidos. Queria escapar.
- Não faças isso. Estás demasiado emotivo para pensar sequer, de forma racional. Agora, se não te importas, pedia-te para saíres. Tenho coisas para fazer. – e ao dizer estas palavras penosas, corri para a porta e abri-a. Acreditei que poderia ser forte.
Segundo depois os seus passos pesados ecoaram no apartamento.
Subitamente, o chão de madeira envernizada pareceu-me tão interessante. Ansiava apenas pelo momento em que a sombra saísse do meu espaço.
Os passos sustiveram-se a um passo de mim. Uma mão grossa empurrou bruscamente a porta, fechando-a com um estrondo.
Assustei-me.
Algo dentro de mim quebrou.
Vi que perdera e a sombra apoderou-se de mim.

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